Em defesa do martelo e da foice: sobre simbolismo e luta

Por Charles Wofford

De acordo com a Teoria da Hegemonia Cultural, frequentemente atribuída a Antonio Gramsci, mas também desenvolvida por Edward Said e Nicos Poulantzas entre outros, a classe dominante mantém seu poder moldando deliberadamente o discurso cultural ao qual a população está exposta. Os teóricos da hegemonia reconheceram que nenhuma classe dominante pode sobreviver pela aplicação constante de violência; deve obter algum grau de legitimidade entre a população oprimida. Isso significa normalizar o status quo opressor. A hegemonia cultural é, portanto, a estrutura pela qual o governante mantém a dominação cotidiana, e pode ser vista como o complemento da aplicação deliberada da violência, que é reservada para aqueles momentos em que a hegemonia não consegue marginalizar a população.

Uma parte importante da manutenção da hegemonia cultural é controlar a linguagem. No discurso político estadunidense, aquele movimento cujas políticas podem destruir o mundo é referido como “conservadorismo”; o partido que zomba abertamente dos processos democráticos é o Partido “Democrático”; aqueles que defendem uma total tirania das corporações privadas se autodenominam “libertários”; e defender o aumento do número de proprietários de bancos privados (“desmembrar os bancos!”), em vez de defender o controle socializado dos bancos, é o suficiente para merecer o título de “socialista”. Esse tipo de distorção (ou adequação ao politicamente correto) é como o rastro da hegemonia cultural.

Um aspecto diferente do controle da linguagem é o controle dos símbolos. Dado o esforço da esquerda em direção à democracia popular (ou, como podemos chamá-la, “democracia”), quais são as distorções hegemônicas dos símbolos da democracia? E o padrão de transformar os termos em seus opostos (como exemplificado acima) nos dá uma pista dessa distorção?

Obviamente, acho que a resposta à segunda pergunta é “sim”, e para responder à primeira pergunta: a distorção hegemônica dos símbolos da democracia é transformar esses símbolos em símbolos de anti-democracia. Qual é a palavra para a mais pura anti-democracia na teoria política? A palavra é totalitarismo. Qual sociedade é amplamente e imediatamente considerada totalitária nos Estados Unidos? Resposta: a União Soviética.

Existem muitas teorias de democracia. Se olharmos para a etimologia, encontramos o grego “demos”, (pessoas) e “kratos” (poder). Uma democracia, talvez tomada em seu sentido mais literal e amplo, é um estado de coisas em que o poder reside na população. Exatamente como esse estado de coisas ocorre pode variar amplamente; muitos arranjos podem ser qualificados como “democracias”.

Mas a democracia pura, a democracia em seu momento mais terrível e eficaz, é uma prática revolucionária. O que é mais democrático do que uma população tão agitada, tão politicamente consciente, que decidiu em massa eliminar à força sua classe dominante? O que é mais revolucionário do que uma população com consciência de classe que organiza suas próprias comunidades independentemente das organizações dominantes, a tal ponto que elas as substituem?

A demonização da foice e do martelo é parte da demonização dos impulsos democráticos e populistas genuínos em defesa do capitalismo. O martelo e a foice, como símbolo da maior revolução da história, são, portanto, um símbolo do mais puro êxtase da democracia. Devemos abraçá-lo, reivindicá-lo, torná-lo nosso novamente na esquerda, e não ter medo de ser associados a ele. Mas há outra interseção aqui: como observou o famoso cientista político marxista Michael Parenti, a própria democracia é uma invenção do povo da história antiga para se proteger contra os abusos da riqueza. Um rápido levantamento da história da Grécia Antiga confirma isso: antes da democracia ateniense, Atenas era governada por aristocratas ricos. A cientista política Cynthia Farrar escreve que “O início do autogoverno ateniense [ou seja, a democracia] coincidiu com a libertação de Sólon no século 6 a.C. daqueles que haviam sido ‘escravizados’ pelos ricos”. Escravo dos ricos! Atenas, a sociedade ancestral de onde traçamos nossa linhagem democrática como estadunidenses, desenvolveu aquela estrutura democrática primitiva para defender o povo de ser!

Foi uma arma contra os abusos da riqueza; um fato que hoje está sendo totalmente distorcido; onde o capitalismo, um sistema que enfatiza a concentração privada de riqueza e que postula uma ideologia que justifica uma política de acumulação de riqueza, é pensado como sinônimo de democracia.

A luta de classes é o crisol que forjou a democracia. A democracia é expressa mais puramente na revolução popular. A revolução popular mais poderosa da história é a Revolução Russa de 1917, e o emblema dessa revolução é a foice e o martelo. A foice e o martelo estão intimamente relacionados ao marxismo, uma doutrina da luta de classes.

Para voltar ao ponto inicial, a demonização desse símbolo é imensamente útil na batalha hegemônica pela legitimidade ou desmarginalização da esquerda. Devido a uma série de fatores, a esquerda não é mais marginal nos Estados Unidos. Isso não quer dizer que a esquerda seja retratada positivamente na maioria dos meios de comunicação, mas é reconhecida e coberta. Devemos reconhecer este campo de batalha e apreender a imagem de nossa herança como esquerdistas.

Fonte: https://www.hamptonthink.org/read/in-defense-of-the-hammer-and-sickle-on-symbolism-and-struggle